Análise Gabinete das Curiosidades de Del Toro

Poster oficial da série "Gabinete de Curiosidades" de Guillermo Del Toro.

Como fã de histórias de terror, não posso deixar passar sem falar da série antológica “Guillermo del Toro’s Cabinet of Curiosities” do realizador mexicano. Com oito episódios, cada um com um terror mais forte que o anterior.

Sinopse:
Em “Gabinete de Curiosidades“, o cineasta Guillermo Del Toro apresenta oito contos sofisticados e aterrorizantes. É a partir dessa coleção de histórias que a série antológica procura desafiar as nossas noções do terror tradicional. Ao longo dos episódios, a produção explora os caminhos do macabro, do mágico e místico até o gótico e o grotesco. Além disso, a primeira temporada da série contém dois trabalhos originais de Del Toro, junto com a equipa de guionistas e profissionais escolhidos pelo realizador de “A Forma da Água”. “Cabinet of Curiosities” tem outros realizadores consagrados do terror internacional, como Jennifer Kent, a realizadora de “Babadook”. Outros grandes nomes na realização dos episódios incluem David Prior, Guillermo Navarro, Keith Thomas, Ana Lily Amirpour e Catherine Hardwicke.

Se não queres spoilers, o melhor é voltares aqui depois de veres a série 😉

Resumo dos Episódios da Série “Gabinete de Curiosidades”

  1. Lot 36: Um veterano de guerra compra o conteúdo de um depósito para pagar dívidas, mas encontra um artefacto macabro que desperta forças sombrias.
  2. Graveyard Rats: Um ladrão de túmulos enfrenta ratos aterrorizantes e uma rainha rata gigante ao tentar roubar um aristocrata recém-enterrado.
  3. The Autopsy: Um médico legista descobre um parasita alienígena durante autópsias em mineiros mortos e faz um sacrifício desesperado para conter a ameaça.
  4. The Outside: Uma mulher obcecada com beleza usa uma loção que a transforma em uma versão horrível de si mesma, levando-a ao homicídio.
  5. Pickman’s Model: Um curador de museu é assombrado por pinturas de um artista macabro que revelam horrores reais e futuros.
  6. Dreams in the Witch House: Um homem busca salvar a alma de sua irmã morta, enfrentando uma bruxa e seu familiar*, um rato com rosto humano.
  7. The Viewing: Um grupo de intelectuais é convidado por um recluso rico para testemunhar um objeto de outro mundo, resultando em um desastre.
  8. The Murmuring: Ornitólogos lidam com uma perda em uma casa assombrada, onde o passado trágico se revela.
A Bruxa no episódio Dreams in the Witch House da série Gabinete das Curiosidades de Guillermo Del Toro
Imagem do episódio “Dreams in the Witch House” da série “Gabinete de Curiosidades” de Guillermo Del Toro.

As Influências de H. P. Lovecraft

Existem 2 episódios baseados em textos de H. P. Lovecraft. São eles “Pickman’s Model” e “Dreams in the Witch House”. Ambos muito perturbadores.

1. Pickman’s Model
Em 1909, o estudante de arte Will Thurber torna-se amigo do artista Richard Pickman, cujas pinturas horríveis o fascinam e perturbam. Anos depois, as obras de Pickman continuam a assombrar Thurber por meio de pesadelos terríveis. Pickman revela que as suas pinturas são baseadas em realidades aterradoras, culminando em uma tragédia para Thurber e a sua família.

Este episódio explora temas comuns de H. P. Lovecraft, como a linha tênue entre a arte e a loucura, e o horror cósmico que desafia a compreensão humana. As pinturas de Pickman funcionam como portais para realidades horríveis e enfatizam a insignificância humana perante o desconhecido.

2. Dreams in the Witch House
Walter Gilman, um membro da Sociedade Espiritualista, tenta resgatar a alma da sua irmã gémea morta por meio de um ritual indígena em 1933. Ele arrenda um quarto na casa da bruxa Keziah Mason, que foi executada, e enfrenta a sua assombração e o seu familiar*, um rato com rosto humano. A tentativa de Walter para salvar sua irmã termina em tragédia quando ele é possuído pelo familiar* da bruxa.

Este episódio encapsula a exploração de H. P. Lovecraft sobre outras dimensões e seres ancestrais. A casa da bruxa e os rituais esotéricos refletem o fascínio de H. P. Lovecraft por conhecimentos proibidos e entidades além da compreensão humana.

Retrato de H. P. Lovecraft, o pai e mestre do terror
H. P. Lovecraft

Resumindo…
Esses dois episódios adaptam as obras de H. P. Lovecraft com fidelidade aos temas de horror cósmico, conhecimento proibido, e a fina linha entre sanidade e loucura. Utilizam o terror psicológico e a atmosfera opressiva para criar narrativas que respeitam e expandem o legado literário de H. P. Lovecraft.

Guillermo Del Toro VS Terror Tradicional

Os clássicos:
A série de Guillermo Del Toro evoca elementos do terror gótico e do Grand Guignol ao misturar a atmosfera opressiva com o grotesco e o sobrenatural. Com raízes profundas na obra de H.P. Lovecraft, estes dois episódios exploram o medo do desconhecido e do inumano.

Criação gradual da tensão:
O terror na série desenvolve-se lentamente de forma a criar tensão ao longo do tempo (característica do terror tradicional). A revelação gradual dos horrores em “The Autopsy” e “Lot 36” exemplifica essa abordagem com rigor.

Terror Psicológico:
Episódios como “The Outside” e “The Murmuring” focam no terror psicológico, exploram a fragilidade humana e as consequências das suas obsessões, reminiscente das histórias de Edgar Allan Poe.

O monstro criado por Victor Frankenstein no romance de terro gótico de Mary Shelley
O Monstro que o Dr. Victor Frankenstein criou em “Frankenstein” de Mary Shelley

Monstros e Metamorfoses:
Um polo central da série são as criaturas grotescas e as transformações físicas, alinhadas com o terror corporal de autores como Mary Shelley e filmes clássicos de monstros.

É ao misturar estes elementos tradicionais com uma estética moderna que Del Toro cria uma antologia que respeita as suas raízes enquanto explora novos territórios do horror.

Considerações Artísticas

Direção e Estilo:

  • Guillermo Del Toro, que é conhecido pelo seu estilo visual único e foco no fantástico e grotesco, deixa a sua inegável marca em cada episódio, com uma atenção meticulosa aos detalhes.
  • A série combina terror clássico com elementos modernos e mantém uma atmosfera sombria e inquietante.

Design de Produção:

  • Os cenários, adereços e figurinos, elaborados para criar uma sensação autêntica de época e ambiente, evocam muitas vezes o gótico e o surreal.
  • Monstros e criaturas são projetados com um realismo grotesco, o que demonstra a maestria de Del Toro em efeitos práticos e CGI.

Fotografia e Iluminação:

  • A cinematografia usa sombras e iluminação dramática para aumentar a tensão e o mistério, influenciada por filmes de terror clássicos.
  • Cada episódio tem uma paleta de cores distinta que reforça seu tema e atmosfera.

Guiões e Narrativas:

  • As histórias adaptadas de grandes autores de terror, como H. P. Lovecraft, são contadas com fidelidade ao material original, mas também com inovações criativas.
  • A série explora temas como o desconhecido, o macabro e o horror psicológico, e oferece uma profundidade narrativa rara em antologias de terror.

Concluindo…

O “Gabinete de Curiosidades” é uma celebração do horror em várias formas, é uma homenagem às tradições clássicas ao mesmo tempo que inova com a visão artística única de Guillermo Del Toro. É uma série que combina terror visual com profundidade narrativa e proporciona uma experiência assustadora e esteticamente rica.

O personagem Masson enfrenta a Rata Rainha em Graveyard Rats, episódio 2 de Gabinete de Curiosidades de Guillermo Del Toro
Masson (David Hewlett) enfrenta a Rata Rainha em “Graveyard Rats”

Guillermo Del Toro X Gerson Rosário

Talvez seja impossível comparar “O Guardião das Lendas” de Gerson Rosário com o imenso trabalho de anos de Guillermo del Toro, mas é impossível não se encontrar alguns pontos de interseção interessantes, como o uso de folclore e elementos sobrenaturais para construir narrativas assustadoras e envolventes.

Temas e Abordagens Comuns

Capa do livro de suspense, thriller e fantasia O Guardião das Lendas, escrito pelo escritor Gerson Rosário
Capa do Livro “O Guardião das Lendas”, escrito por Gerson Rosário.
  1. Folclore e Tradição:
    • Gerson Rosário: Utiliza lendas urbanas tradicionais de Portugal (e não só) como base para a sua narrativa. Ao explorar o encontro de Alexandre com entidades míticas e lendas portuguesas, o livro mantém uma conexão profunda com o folclore nacional.
    • Guillermo del Toro: Integra, frequentemente, elementos de folclore e mitos nos seus trabalhos, como visto em “Gabinete de Curiosidades”. Episódios como “Pickman’s Model” e “Dreams in the Witch House” exploram mitos e lendas universais, especialmente os de H.P. Lovecraft, para criar uma sensação de terror e mistério.
  2. Atmosfera e Cenário:
    • Gerson Rosário: A ambientação de “O Guardião das Lendas” é moderna, mas cheia de elementos que evocam o oculto e o sobrenatural. O cenário português adiciona uma camada de autenticidade cultural às lendas exploradas.
    • Guillermo del Toro: Mestre em criar atmosferas densas e imersivas, o realizador de “Gabinete de Curiosidades” marca cada episódio com um design de produção meticuloso que estabelece um cenário perfeito para o horror. A sua atenção aos detalhes e a construção dos mundos são essenciais para a experiência do terror.
  3. Personagens e Criaturas:
    • Gerson Rosário: Alexandre enfrenta espíritos e seres lendários que personificam os medos e as histórias contadas ao longo das gerações em Portugal. O Espírito Negro é um exemplo de uma figura mítica que traz à tona o terror psicológico.
    • Guillermo del Toro: Conhecido pelas suas criaturas únicas e aterrorizantes, os monstros em “Gabinete de Curiosidades” são tanto físicos quanto psicológicos, como visto nos episódios baseados em H. P. Lovecraft, onde os personagens enfrentam horrores indescritíveis.

Ambos os trabalhos utilizam o folclore e o sobrenatural para explorar medos profundos e criar narrativas envolventes. Enquanto que “O Guardião das Lendas” se foca nas tradições portuguesas, “Gabinete de Curiosidades” de Guillermo del Toro explora uma gama mais ampla de mitos e lendas, incluindo o folclore americano e europeu. A habilidade de ambos os criadores em tecer histórias que misturam o comum com o extraordinário resulta em experiências de leitura e visualização ricas e assustadoras.


Familiar* – Quando se trata de bruxas, um familiar é, geralmente, um animal com características humanas ou com o poder de que se transformar em humano e/ou em animal. Foram imaginados como escravos domésticos, ajudantes, espiões e companhias, além de terem a tarefa de usar bruxaria nos inimigos da bruxa que os controla.

Fontes:
Imdb.com
inreviewonline.com
countrylife.co.uk
gamereactor.pt
loa.org

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