Não, desta vez não vos venho contar outro episódio de paralisia do sono. Hoje quero abrir um pouco o leque da minha vida para que me conheçam melhor.
Quem me conhece sabe muito bem que sou bastante reservado e não é de meu costume andar aqui a debitar este tipo de coisa. Muito menos sou a favor das “histórias de coitadinho” que, durante muito tempo, parecia que era o que dava visibilidade aos famosos (se isto me der visibilidade vou morder a língua…)
Sejam bem-vindos à parte 2 da “aventura” da paralisia facial.
A dificuldade real atualmente
Escrevi este texto logo após este post, há já mais de um ano atrás. Mas só agora decidi terminá-lo e publicar porque tenho intenções de mostrar mais a cara pelas redes e… há coisas que devem ser explicadas, mesmo eu sabendo que há quem vá perguntar “O que se passa com a cara dele?” ou talvez seja só eu que tenho problemas comigo mesmo?
Um novo problema
Após o episódio de 2017, que se estendeu por 2018, e agora nos primeiros anos da pandemia, após ter andado a fugir ao “bicho” durante meses, eis que ‘finalmente’ o apanhei. Os primeiros sinais apareceram no dia 14 de janeiro de 2021. O que parecia uma gripe, uma febre, uma dor de cabeça, veio-se a perceber que era COVID quando percebi que a febre não descia, o corpo todo dolorido sem razão aparente, o olfacto desapareceu e o paladar também foi dar uma volta.
Enfim… Era tudo muito novo e andávamos de máscara em casa por minha causa, só saía do quarto para comer e ir à casa de banho e sempre com o pano e o álcool atrás a limpar tudo onde tocava. Tanto não queria passar isto para outras pessoas que só saí de casa para ir fazer o teste e voltei a trancar-me.
Dia 16 chegou o resultado. Positivo. Para não continuar a ser um perigo para quem vivia comigo, voltei para Loulé onde tinha ainda o meu quarto e fiquei lá trancado durante os próximos 15 dias.
“Ah, mas isto não era sobre a Paralisia facial? Agora estás a falar do COVID?”
Então… Várias coisas podem despoletar uma paralisia facial. Desde um choque de temperatura, um vírus, um golpe no lugar errado (ou certo, depende da perspetiva…).
No meu caso, já fragilizado pelo vírus, ao sair de casa de manhã cedo (9h+/-) e até chegar a Loulé (por volta de 15 minutos de trajeto) senti, e vi no retrovisor, a minha cara a ceder novamente. Primeiro, ainda antes de chegar ao carro, senti um formigueiro na zona mais frágil da minha cara (se falarmos de nervos fragilizados): aquela tal zona perto do nariz, acima do lábio.
Ao entrar no carro já sentia o formigueiro a alastrar para o nariz. Depois, pelo caminho, atingiu a pálpebra, os lábios, a testa… Quando cheguei a Loulé e me olhei ao espelho… O pesadelo voltou.
Agora, com COVID, o que mais faltava era outra paralisia!
Desta vez recusei passar por tudo o que tinha passado antes. Voltei a Faro, para ser visto por um médico, apavorado de que voltasse a sofrer com o cobreiro. Apavorado por pensar que teria de passar por todos aqueles comprimidos e dias fechado em casa sem saber se iria melhorar.
Bem, ao menos desta vez foi ‘só’ isso. O cobreiro não apareceu. Mas algo estava diferente. Bem, para já, desta vez ia fazer fisioterapia, mas como estava proibido de sair de casa devido ao COVID, lá tive de fazer os exercícios de fisioterapia sozinho, o que não é de todo a mesma coisa do que ter um profissional connosco.
Aprenda a fazer o tratamento de forma indicada com profissionais qualificados.
Quando finalmente consegui iniciar o tratamento ainda a cara continuava toda descaída e a sensação diferente de que vos falei continuava. Normalmente não sentia absolutamente nada. Quando sentia era como se o toque fosse feito com um plástico à temperatura do meu corpo, com uma sensação contínua de formigueiro que teimava em não passar.
Paralisia facial, lado esquerdo da cara afetado sem conseguir sorrir, mesmo num momento de grande felicidade.
O tempo passou, as sessões não estavam a dar muito resultado, mas graças aos profissionais que não desistiram de mim consegui recuperar bastantes movimentos. Ao fim de 10 meses. Quando finalmente a evolução parou, o tratamento também parou.
Agora vocês perguntam “ah, mas já deves estar bem, não é?”
Sim e não. Estou bem porque recuperei a maior parte dos movimentos e consigo levar a vida de uma maneira normal. Mas não estou bem porque não recuperei todos os movimentos e, quer se queira quer não, mexe muito com o nosso psicológico quando temos “tudo” e nos é tirado muito sem que possamos fazer nada para recuperar.
Há três resultados que podem acontecer quando se sofre de uma paralisia facial (ou qualquer outra, na verdade), que são: 1. Recuperação da maior parte ou totalidade dos movimentos. 2. Recuperação parcial. 3. Não recuperação dos movimentos.
Na primeira vez, recuperei a maior parte dos movimentos. Conseguia fazer várias expressões sem dor e com facilidade. Desta segunda vez sinto que perdi muito mais. Claro que se me virem na rua com a minha “cara de poucos amigos” nem vão notar, mas basta eu tentar fazer uma expressão de surpreendido ou de zangado e vão logo perceber o que vos quero dizer. Pouca amplitude de movimentos, algumas zonas da face não respondem e aquela pequena parte acima dos lábios… Essa parte é como se não existisse movimento algum.
Quando se passa por uma paralisia, na recuperação podem acontecer também três outras situações, agora a falarmos dos nervos mais concretamente. Quando a paralisia se instala, geralmente é porque houve um “rompimento” dos nervos total ou parcial. Na recuperação tendem a ligar-se novamente como antes, mas pode acontecer que se “desviem” e a ligação fica desviada (por isso que se veem as diferenças entre uma face e outra) ou podem nem sequer voltar a ligar, o que faz com que aquela zona não volte a funcionar mais, mesmo que o corpo a continue a alimentar.
Espero ter conseguido explicar bem…
Tudo isto para vos dizer que este é a razão de não verem muito a minha cara pelas minhas redes sociais. Tenho várias ideias para pôr em prática, mas quando essas ideias precisam de vídeo e que eu dê a cara… Torna-se bastante difícil.
Difícil assim como este texto, esta “abertura” que vos estou a dar ao vos contar tudo isto. Mas como disse anteriormente, eu não quero ser ‘conhecido’ por estas fases menos boas da vida. Por favor, não. Eu quero que me conheçam pelo que escrevo. E o meu maior desejo é mesmo esse, contar as estórias que tenho na minha mente para o mundo (para quem faz parte do meu mundo) e, de alguma forma, poder mudar as vossas vidas nem que seja para que vejam a vida com outros olhos, sejam eles quais forem.
Actualidade
Hoje, 10 de novembro de 2025, o estado dos meus nervos da face continua igual. Tenho dores profundas cada vez que o tempo muda de forma drástica, sinto um formigueiro quando fico enervado ou nervoso com alguma coisa, continua a não conseguir mexer algumas partes da face… Podem pensar, e bem, “mas há gente que está muito pior”, sim, é verdade. Mas a dor de uns não invalida a dos outros; não é por ter a minha que não me solidarizo com os outros. Todos nós temos as nossas dores, é assim mesmo que as coisas são. Esta é apenas uma parte da minha história e, atualmente, um grande “monstro” com o qual tenho de (con)viver.
Obrigado a quem leu, a quem está desse lado e um desejo de muita força para todos.
Gerson Rosário
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